quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Enochato

Imagem retirada do site Misenbouteille


Se alguém não entendeu o título da postagem explico. Estou fazendo uma junção dos termos enólogo e chato. Entendeu? Enólogo+chato=enochato.

Faço isso para tratar aqui de uma das espécies mais enfadonhas que já habitaram nosso planeta: o cara do vinho, ou o cara que acha que entende de vinho. 

Esse não dá para aguentar. 

O pior não é isso. O caso é que um número cada vez maior de pessoas vem se tornando enochatos. Serve para as mulheres também. Não é privilégio apenas masculino não. Tem muita enochata por aí.

O problema em si não é a pessoa gostar de vinho. Nem tampouco se aprofundar nesse assunto que o interessa. Não tem problema nenhum.  Eu mesmo tenho um tio que gosta muito, mas que não fica impondo e nem enchendo o saco dos outros com isso.

O problema é o cara que entende que deve gostar e fica dando “aulas” sobre o assunto, para os pobres ignorantes que não possuem sua cultura e refinamento.

Pode constatar. O perfil é sempre o mesmo. O sujeito ou a sujeita entende que já alcançou um patamar de sucesso profissional e financeiro e agora tem tempo e dinheiro para se aprofundar em coisas altamente sofisticadas e interessantes (para eles), nesse caso o conhecimento sobre vinhos.

Fazem até cursos, onde são ensinados por pessoas mais chatas e prepotentes do que eles mesmos, a beber (nesse caso a denominação correta é degustar), sentir o aroma (buquê para eles), verificar a textura e coloração e só então decidir se o vinho é digno de apreciação por suas papilas gustativas. 

É realmente um ritual digno de respeito e que só pessoas iniciadas e altamente gabaritadas entendem toda sua extensão e complexidade.

Acredito que em quase toda a família, ambiente de trabalho ou lazer, você consegue identificar imediatamente um exemplar dessa espécie.

Você não precisa nem procurar que ele logo se revela. É só alguém, em qualquer ocasião, sugerir tomar um vinho que ele prontamente toma a frente.

Se você estiver em um restaurante, por exemplo, ele logo vai discutir com o enólogo do local. Aliás, em determinados restaurantes, e não é de hoje, já existe um enólogo profissional. Não precisamos, portanto, do amador que está fazendo ou acaba de fazer o cursinho para atazanar os outros.

Logo após a discussão com o enólogo oficial, ele vai escolher o que bem entender por conta própria, apenas para discordar da ajuda oferecida. Uma vez trazida a bebida, começa aquele ritual típico: o garçom abre a garrafa e serve uma pequena quantidade para quem o escolheu. Nesse caso é nosso enochato, que antes de beber logo, vai apreciar a tonalidade, o aroma/buquê, para só então experimentar, não sem antes, é claro, segurar a taça pela haste e movimentá-la rapidamente, descrevendo pequenos círculos.

Terminado o período de exibicionismo e destreza motora, nosso “especialista amador” em vinhos, entorna todo o conteúdo fazendo uma expressão de profunda reflexão. Atenção! Nada nesse momento pode abalar sua concentração, enquanto decide se bebe ou cospe o vinho.

Na verdade nem sei para que serve essa estória de provar antes, pois nunca vi ou soube de alguém que tenha recusado a garrafa. 

Depois de tão mágico momento, ele vai informar a nós, pobres coitados, o que estamos prestes a degustar. É sempre bom explicar antes, porque existe o risco de alguém não entender a complexidade e riqueza de sabores, tons e aromas que se desenvolvem no decorrer de um simples gole de vinho.  Simples gole, para os ignorantes é claro. 

Veja que interessante:

Existe uma classificação internacional de vinho chamada de First Growths of Bordeaux que começou em 1855 e consistia basicamente de vinhos franceses da região de Médoc. Durante mais de 100 anos ela foi aceita como sendo definitiva, até que em 1976, em Paris, foi realizado um teste cego, onde os vinhos líderes foram emparelhados com vários desconhecidos, de outras nacionalidades. O resultado foi surpreendente, pois vinhos muito mais baratos e sem tradição conseguiram fazer frente a alguns considerados insuperáveis.

Embora a classificação de 1855 não seja mais a definitiva, os cinco primeiros na categoria máxima First Growths tintos, ainda são os de sempre, a saber: Chateau Lafite Rothschild, Chateau Latour, Chateau Margaux, Chateau Mouton Rothschild e Chateau Haut-Brion. Podemos fazer uma menção honrosa aqui a mais dois vinhos muito conhecidos, para quem sabe MESMO do assunto, sendo Chateau Petrus e La Romanée-Conti.

Curiosidade: esse último muito apreciado pelo “exigente” paladar de um dos nossos ex-presidentes (lembra-se de quando um ex-operário do povo foi flagrado em um jantar regado a La Romanée-Conti de mais de U$ 7.000,00 a garrafa?), que é também especialista em cachaça barata e outras bebidas “finas”.

Voltando ao tema, aposto que a disparada maioria dos enochatos que existem por aí, não tinha essa informação, bem como nunca provaram nenhum desses vinhos e talvez até mesmo, nem tenham ouvido falar de todos. 

Como é quase impossível se livrar do enochato, pelo menos você pode tentar colocá-lo em uma roubada (depois de tanta chateação agora é sua vez de se divertir um pouco). Faça o seguinte: o convide para um jantar especial em sua casa. Compre o vinho mais ordinário que achar no supermercado da esquina. Na hora de servir, certifique-se de que ele não consiga ler o rótulo e sirva imediatamente após ser aberto (deixar o vinho descansar é coisa de enochato), então pergunte a ele sua opinião abalizada de especialista.

Agora você vai descobrir se além de chato, ele também é mentiroso!

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